Escola de Bicicleta

mobilidade & recreio

Thank you, John Forester

Foi em 2007 que comecei a interessar-me pela questão do Código da Estrada e as bicicletas e pela questão da formação em condução de bicicleta (e de carro, face a bicicletas!). Muita pesquisa fiz eu nesses primeiros anos, principalmente, era tudo novo. Em 2007, no ano em que publiquei as FAQ do Código da Estrada, li o Effective Cycling. Em 2008 o Bicycle Transportation. Ambos escritos pelo John Forester, uma figura incontornável do cicloativismo e que cunhou o termo “vehicular cycling” e o mantra “Cyclists fare best when they act and are treated as drivers of vehicles.

Estes livros, em particular o segundo, e o trabalho do John Forester (e de vários outros que lhe seguiram ou que foram seus contemporâneos), mudaram a minha vida.

Aprendi a conduzir uma bicicleta em qualquer contexto, de forma confiante e segura, e deixei de sentir limites ao que podia fazer de bicicleta, aonde podia ir ou deveria ir, por onde poderia circular, e qual era “o meu lugar” na via pública, no espaço público. Em 2008 comecei a formar outras pessoas para atingirem o mesmo resultado.

Comecei a ganhar uma noção mais clara da inferiorização que as nossas sociedades carrocêntricas fazem de quem não se encontra dentro de um carro, e de como essa inferiorização é perpetuada através de políticas públicas, urbanismo, legislação, regulamentação, formação de condutores, cultura das forças policiais e judiciais.

Percebi também que a promoção da bicicleta era muitas vezes uma causa cega, e era feita de forma a tornar a bicicleta aparentemente mais atrativa para mais pessoas, mas sacrificando a sua segurança e a sua conveniência, em nome da captação de mais utilizadores, que frequentemente não surgiam, e quando surgiam não vinham do carro para a bicicleta, que era a única forma de se estar a resolver algum problema.

O John Forester fez de mim uma condutora de bicicleta muito diferente. E fez-me também uma ativista muito diferente.

Uma figura polémica até ao fim, e bastante desprezada por muitos ativistas das últimas décadas, o John Forester não era uma pessoa agradável de trato, pelo menos no âmbito dos temas da bicicleta. Mas isso é irrelevante. Foi o trabalho dele em defesa do direito dos utilizadores de bicicleta ao uso das estradas (numa época em que este esteve em risco de ser revogado, o que teria condenado o futuro da bicicleta como meio de transporte, desporto e lazer – em Portugal não estivémos também assim tão longe), e na área da educação dos condutores para que esse uso seja o mais seguro possível (além de prático e eficiente), que lhe deram o estatuto que tem.

Como é óbvio, não concordo com tudo o que o Forester defendia, e sei que o trato abrasivo que tinha só contribuiu para criar anti-corpos nas outras pessoas (nomeadamente nas que não concordavam com ele). É uma figura polémica, muito por ignorância e/ou por desonestidade intelectual, ou pelo menos alguma soberba, sempre me pareceu, dos seus críticos na análise dos factos e dos seus argumentos, e na contextualização das suas ações (os EUA dos anos 70 não eram a Holanda dos anos 70, e muito menos a Europa dos anos 2000 e 2010’s. Os argumentos clássicos são “o “vehicular cycling” falhou como estratégia de promoção do uso da bicicleta”, e o “se a segregação das bicicletas é assim tão má, porque é que na Holanda anda tanta gente de bicicleta?”.

Ora, o “vehicular cycling” não é propriamente uma estratégia de promoção do uso da bicicleta, é um modelo educacional para salvaguardar a integridade física de quem usa a bicicleta em cidades onde há carros, e muitos, e/ou a andar muito depressa (que são todas as cidades do mundo, praticamente), e garantir a competitividade da bicicleta como meio de transporte, em termos de tempos de deslocação. Claro que se dermos às pessoas uma ferramenta que lhes dá mais segurança e maior eficiência a usar um modo de transporte, é mais provável que elas o adotem, mas isso é um efeito colateral – o objetivo é melhorar a vida a quem já o adotou ou já quer mesmo adotá-lo. Como analogia, não é por tirarmos a Carta de Condução que vamos querer andar de carro, tiramos a Carta de Condução porque já queremos andar de carro, e queremos andar de carro porque a rede de estradas é imensa, razoavelmente segura e confortável, direta, temos estacionamento fácil e gratuito ou quase em todo o lado, o crédito à compra é fácil, nascemos numa cultura em que toda a gente anda de carro ou quer fazê-lo, e onde o carro é uma forma de expressão de status sócio-económico – e vivemos numa cultura onde esta ostentação é tolerada, e porque o carro é uma bolha física e psicologicamente confortável. Além disso, o nosso (des)ordenamento do território e políticas públicas de urbanismo e mobilidade sofríveis, faz com que o carro seja grosseiramente mais rápido e/ou confortável do que qualquer outra forma de deslocação, principalmente fora dos maiores centros urbanos.

Na Holanda, e noutros países, não é a segregação das bicicletas que justifica os números de utilizadores. É a segregação dos carros – na forma de ruas sem saída para carros, menos espaço alocado ao carro, pouca oferta de estacionamento para carros, cara e “fora de mão”, impostos altos na compra de carros, maior fiscalização dos comportamentos anti-sociais (estacionamento abusivo, excesso de velocidade, etc), acalmia de tráfego, cultura mais avessa à ostentação de status sócio-económico por via de bens materiais, etc, além da cultura universal da bicicleta como um meio de transporte, e a excelente articulação com uma boa rede de comboios (e outros modos). E mesmo assim, a quota modal do carro não é muito diferente da nossa, a bicicleta compete principalmente com o andar a pé e com o transporte público – a segregação dos veículos por modo, além da normal segregação por destino, torna todo o sistema mais ineficiente, nomeadamente com as medidas necessárias à mitigação do risco acrescido criado pela segregação (nomeadamente os semáforos).

Uma pessoa versada nos princípios tornados famosos pelo Forester, anda de bicicleta de forma segura e eficiente em qualquer lado, em qualquer infraestrutura, em Lisboa, em Londres, em Copenhaga, em Amesterdão, ou na China. Pessoas experientes a andar de bicicleta em sítios como a Holanda ou mesmo como Sevilha, só andam de bicicleta na Holanda, ou em Sevilha (e muitas vezes sofrendo colisões causadas pela segregação), chegam a cidades bastante pacíficas (all things considered) como Lisboa dos últimos 10 anos e encostam a bicicleta, porque não sabem partilhar as estradas em segurança com os carros em sítios onde as bicicletas rareiam.

Mas este post não é para entrar em argumentações nem em revisões da história da bicicleta e do cicloativismo (been there, done that, já não tenho tempo nem paciência). Este post é para lembrar, e agradecer publicamente, o trabalho de imenso valor de uma pessoa que o mundo perdeu recentemente, e a quem eu e muitos outros utilizadores de bicicleta têm uma eterna dívida de gratidão. Thank you, John Forester!

John Forester – Foto: Peter Flax

11 formas de cair de bicicleta

Em países onde há um grande uso da bicicleta no quotidiano, há muita gente a ser admitida nos hospitais devido a quedas e colisões de bicicleta a solo, o que tem começado a chamar a atenção para se estudar as causas disto. Na Holanda, por exemplo, estima-se que 90 % das lesões sofridas por utilizadores de bicicleta e 25 % das fatalidades neste grupo, resultam de quedas e colisões de bicicleta que não envolvem veículos motorizados.

Normalmente estes incidentes a solo subdividem-se em quedas e colisões:

  1. relacionados com a infraestrutura
  2. relacionados com o condutor da bicicleta; perda de controlo
  3. relacionados com falha mecânica da bicicleta

É por isto que nas aulas de condução que damos na Escola de Bicicleta da Cenas a Pedal temos o Nível 1 – adaptação à bicicleta, e o Nível 2 – adaptação ao meio. Para conseguirmos evitar quedas, primeiro, e conseguir que as que ocorrem não sejam graves, é importante saber controlar a bicicleta mas também é importante saber reconhecer os riscos das infraestruturas e minimizá-los com estratégias adequadas. A ideia das aulas de bicicleta de regularidade, ao longo do ano, serve também um propósito fundamental que é o do treino de regularidade, algo que faz a diferença na probabilidade de uma pessoa se envolver numa queda ou colisão, segundo os estudos (como este).

Andar de bicicleta, para transporte ou lazer é uma actividade com imensos benefícios e vantagens para quem o faz, os riscos associados existem mas podem ser facilmente minimizados, basta estudar e praticar! Nós estamos cá para facilitar isso mesmo.

Agora, aqui fica um apanhado simples de algumas formas mais populares de cair de bicicleta.

1. Pedalar numa curva 

Ao inclinar a bicicleta numa curva, o pedal do lado de dentro da curva fica mais perto do chão e há o risco de raspar nele, o que pode causar um sobressalto que leve à perda de controlo da bicicleta.

2. Pedalar bem encostadinho ao lancil do passeio

Pedalar junto a um lancil alto torna possível batermos com o pedal no mesmo, o que afecta a trajectória e equilíbrio da bicicleta, podendo levar à perda de controlo da mesma. Quem diz lancil diz, pedras, delimitadores e barreiras rasteiros diversos.

3. Circular próximo de lancis 

Tudo o que seja um obstáculo longitudinal na faixa de rodagem pode causar uma queda do tipo “diversion“. Os baixinhos são os piores porque não nos apercebemos sequer deles:

Mas os grandes, que sabemos perfeitamente que estão lá, também nos podem fazer cair se circularmos tão perto que não deixemos espaço para pequenas oscilações:

O ciclista do vídeo anterior teve sorte, ia relativamente devagar e teve bons reflexos. O mesmo não aconteceu no caso seguinte:

4. Passar por cima de poças de água à confiança

Uma poça de água pode esconder facilmente a configuração do buraco onde a água se acumulou. Às vezes é só uma concavidade no piso, outras vezes é mesmo um buraco. De notar que no inverno surgem buracos de um dia para o outro.

Um buraco (ainda mais com o atrito adicional da água nele acumulada) pode parar subitamente a roda da frente e atirar-nos por cima do guiador, como neste exemplo:

5. Circular próximo de muros, vedações ou sebes altas

Este é um fenómeno curioso, que já conhecemos bem, mas cuja base científica ainda não investigámos a fundo, embora tudo indique que tenha a ver com a nossa visão periférica e o seu papel no equilíbrio e na navegação espacial. O que sabemos é que quando as pessoas circulam próximo de objectos contínuos altos, a dada altura têm o reflexo de se agarrarem aos mesmos, largando o guiador da bicicleta. Dependendo da velocidade, de como se agarram, etc, isto pode dar direito a algumas mazelas, embora normalmente não seja nada de especial.

Mas o grande risco não é o reflexo que descrevi atrás, mas sim a possibilidade de o guiador da bicicleta tocar nesse muro/sebe/etc, ou mesmo pilarete alto, o que causa uma queda imediata. Isto é algo que também acontece em passeios de grupo, quando nos chegamos demasiado perto, de lado, de outro ciclista (ver este exemplo).

6. Curvar demasiado e/ou travar sobre piso sem aderência

A tinta das passadeiras e das outras marcações rodoviárias, as tampas de esgoto, os carris de eléctrico, o asfalto com óleo, alguns tipos de pavimento (pedra da calçada, e outras, etc) ou com gravilha, areia, ou folhas, são coisas onde os pneus das bicicletas facilmente escorregam, principalmente em dias de chuva!

Folhas…

Tampas metálicas…

Pavimentos escorregadios…

7. Transpôr carris de eléctrico (quase) longitudinalmente

Os carris de eléctrico podem causar quedas ao prender a roda da frente, o que nos lança imediatamente ao chão. Mas mesmo sem a roda entrar no carril, se este estiver ligeiramente sobreelevado do pavimento, funciona como um lancil, e causa uma queda à mesma se nos aproximarmos dele ou o transpusermos quase longitudinalmente.

Ou assim.

8. Circular na zona das sarjetas

Circular encostado à direita tem imensos custos em termos de segurança, uns são mais fáceis de compreender que outros, mas este parece-me bastante óbvio: na berma das estradas é onde geralmente se colocam as sarjetas, e muitas vezes as grades das mesmas são longitudinais e capazes de engolir a roda dianteira da bicicleta, o que causa uma queda por paragem súbita desta, e a inércia atira o ciclista por cima do guiador.

Quem diz sarjetas diz qualquer defeito ou obstáculo no pavimento que possa afectar o movimento da roda dianteira, nomeadamente buracos, fissuras, cristas, etc.

9. Passar por cima de marcadores rodoviários

Passar por cima do que por cá se chamam muitas vezes “olhos-de-gato”, pode facilmente causar uma queda, principalmente se não estivermos à espera desse obstáculo, e se não tivermos muito bons reflexos e controlo da bicicleta:

Há n tipos de marcadores elevados (exemplos aqui), e geralmente constituem um perigo para utilizadores de bicicletas, ao afectar a estabilidade das mesmas.

10. Subir lancis sem levantar a roda da frente no momento certo

Um lancil (ou qualquer outro objecto imóvel no caminho) alto o suficiente, quando encarado de frente, muitas vezes causa uma queda imediata – pára a roda dianteira e atira o ciclista por cima do guiador. A única forma de isto não acontecer é o condutor da bicicleta fazer a roda dianteira saltar por cima desse lancil ou obstáculo no momento certo – nem antes, nem depois. O ciclista do vídeo abaixo fez a roda saltar, mas cedo demais:

11. Deixar peças de roupa prenderem-se nas rodas

Tirar o casaco em andamento, por exemplo, pode levar a uma situação destas. Quem diz casacos diz usar saias ou casacos ou cachecóis ou lenços compridos. Transportar sacos de compras no guiador também causa quedas deste género, quando os itens no saco chegam à roda e a bloqueiam.


Uma amostra de coisas para não fazer, que tivémos a sorte de encontrar registadas em vídeo. Nas nossas aulas de Nível 2 temos diversas oportunidades para demonstrar e treinar com os nossos alunos o que fazer em vez disto.

Na Escola de Bicicleta da Cenas a Pedal ensinamos os nossos alunos a evitar quedas como as 11 aqui referidas. Os alunos aprendem a:

  1. reconhecer riscos
  2. aplicar estratégias adequadas para evitar ou reduzir esses riscos
  3. controlar com sucesso a bicicleta em situações complicadas

Os conceitos de bolha de segurança, da importância de olhar e de ver, são conceitos patentes n’as 4 regras de uma condução segura e que são instilados nos nossos alunos desde a primeira aula, para que a probabilidade de algum dia haver um vídeo destes com eles como protagonistas, seja mais reduzida. 😉

A diferença entre ser visível e ser visto

Este artigo visa ajudar a compreender como aplicar as 4 regras de uma condução segura, descritas neste outro texto.

Visível significa passível de ser visto.  Ser visto implica ser visível, mas ser visível não implica ser visto.

Como SER VISTO?

  1. ser visível
  2. posicionarmo-nos onde é expectável que os outros* dirijam o seu olhar e atenção
  3. posicionarmo-nos fora dos ângulos mortos do(s) outro(s) veículo(s)

* os outros que sejam relevantes para o nosso trajecto

Exemplo A

Imaginem um cruzamento numa zona sem iluminação artificial (ou em que esta é fraca):

Se a situação acima acontecer de dia, o condutor da bicicleta cumpriu os 3 pontos necessários para ser visto.

Se a situação acontecer de noite e a bicicleta estiver equipada com luzes capazes e funcionais, o condutor também cumpriu os 3 pontos.

Se for de noite e a bicicleta não tiver luzes [eficazes] o condutor da bicicleta falha o ponto 1, e apesar de acautelar os restantes dois pontos, não vai ser visto [a tempo].

O condutor da bicicleta poderia ser visto, mas como não era visível, não será visto.

Exemplo B

Pensem na situação de um condutor de bicicleta a circular, ilegalmente, em contra-mão aproximando-se de um entroncamento (ou de uma saída de garagem, etc):

1-Captura de ecrã total 20102015 124430

A bicicleta até pode ter uma boa luz (ou seja, é visível), mas não vai ser vista [a tempo] porque está numa zona em que, para o condutor do carro, não é expectável virem veículos.

O olhar e atenção do condutor do carro estão focados na zona sombreada a verde, que é de onde é expectável surgirem veículos a quem possa ser necessário ceder passagem, ou confirmar se não vão colidir com ele.

O condutor da bicicleta circula/posicionou-se num “ângulo morto mental” do condutor do carro, e por isso dificilmente vai ser visto por ele. Outro exemplo – de um ‘gancho à direita’ – é analisado aqui.

Exemplo C

Os carros têm ângulos mortos, ou seja, zonas no seu exterior que o condutor não consegue ver – directamente ou com recurso a espelhos retrovisores, na sua posição normal de condução.

A situação abaixo mostra como um veículo pequeno como a bicicleta pode ficar oculto pelas barras laterais do carro por uns instantes – que podem ser fatais.

turning-blind

Como as bicicletas são elementos minoritários e pouco frequentes, no ambiente rodoviário, o condutor do carro não vai lembrar-se e preocupar-se em mover a cabeça para garantir que não está um ciclista tapado pela barra – o condutor do carro está formatado para pensar em carros, cujo maior volume elimina quase totalmente o risco de esta situação ocorrar com um.

Os camiões têm ângulos mortos consideráveis porque são veículos volumosos e o condutor está bastante elevado face à estrada.

Blind-spot-2

A regra é:

Se tu não consegues ver os olhos do condutor, o condutor não te consegue ver a ti.

O cone de foco

Conduzir um carro é uma tarefa tremendamente exigente, e os seres humanos cometem erros. Principalmente nessas alturas queremos garantir que somos vistos tanto mais cedo quanto possível. A figura abaixo ilustra o conceito de “cone de foco” de um condutor de um automóvel (cliquem para aumentar).

621875_422676037840855_2106179542_o

Daqui se depreende que, para garantir que somos vistos, devemos procurar posicionarmo-nos na via de trânsito (e não na berma, por exemplo), e idealmente mesmo no centro da via. Mas e se apanhamos atrás de nós condutores distraídos ou em excesso de velocidade?

Bom, aí é que é mesmo muito importante sermos vistos cedo e de forma clara! Nesses casos a área primária de foco e o “cone de vigilância” estreitam-se e alongam-se, pelo que os condutores focam a sua atenção mesmo no centro da sua via e lá ao fundo – e nós queremos que eles nos vejam lá.

2-Screen-Shot-2014-01-31-at-11.09.30-AM

Cone de foco normal

3-Screen-Shot-2014-01-31-at-11.28.12-AM

Conce de foco com o aumento da velocidade / distracção / limitação

Por isso é que, principalmente numa estrada nacional onde é fácil encontrar carros conduzidos em excesso de velocidade, é importantíssimo fazer isto:

IMGP4405

De notar que circular no centro garante maior contraste visual do que circular na berma, o que reduz a probabilidade de não sermos detectados a tempo (ou seja, aumenta o nosso factor “ser visível” além do “ser visto”).

Como é óbvio, circular de noite sem luzes adequadas torna ser visto uma missão complicada ou mesmo impossível, como demonstra o Exemplo A acima, e como é fácil de perceber olhando para a imagem anterior e imaginando que é de noite.

Recapitulando, para SERES VISTO:

  1. sê visível
  2. posiciona-te onde é expectável que os outros relevantes dirijam o seu olhar e atenção
  3. posiciona-te fora dos ângulos mortos do(s) outro(s) veículo(s)

Gancho à direita (‘right hook’)

Há dois tipos de “gancho à direita” (right hook, em inglês), uma das colisões carro-bicicleta mais comuns:

  1. quando um automobilista passa ou ultrapassa um ciclista e vira à direita
  2. quando um ciclista entra no ângulo morto de um automobilista que está a virar à direita

Como com a maior parte das colisões, esta também pode ser evitada por uma das partes independentemente do erro ou culpa legal da outra.

Um gancho à direita tem este aspecto:

Fonte: Bicycling.com

Fonte: Bicycling.com

O vídeo abaixo foca-se nas dinâmicas das ciclovias [ciclovias são vias de trânsito reservadas a velocípedes, marcadas na faixa de rodagem, como os corredores BUS mas quase sempre demasiado estreitas para caber um carro]. Os ganchos à direita podem acontecer em estradas sem ciclovias, com vias largas ou estreitas. A causa e a prevenção são as mesmas também nesses casos.

Agora um exemplo real. O vídeo abaixo mostra uma situação típica de [quase] colisão (neste caso a condutora da bicicleta até teve sorte, porque não chegou a colidir com o automóvel) entre um automóvel que vira à direita e uma bicicleta que, circulando encostada à direita da corrente de tráfego geral, segue em frente num entroncamento ou numa entrada particular.

Passem directamente para os 0:45 s no vídeo e observem bem:

Os ciclistas circulam na berma*, à direita da corrente de tráfego geral. Surge uma entrada/saída para um parque de estacionamento, os ciclistas pretendem continuar em frente mas à sua esquerda há um automóvel que, depois de colocar o pisca, vira devagar para entrar no parque de estacionamento e quase abalroa a ciclista da frente.

tem uns símbolos de bicicleta pintados no chão, sim, mas para o caso, é irrelevante: seja uma berma, uma ciclovia, ou um passeio, a mecânica da colisão é a mesma

Quem tem culpa?

O condutor do automóvel não se aproximou da berma antes de efectuar a manobra, como manda a lei, mas fez o pisca e fez a manobra bastante devagar. Ainda assim, e como referiu várias vezes uns instantes mais tarde, não viu a ciclista [antes de começar a virar]. E provavelmente não a viu porque esta estava no ângulo morto dos espelhos retrovisores do automóvel. Dado que não há sinalização nenhuma a alertar para eventual trânsito de bicicletas na berma da estrada, o condutor do automóvel não tinha nenhuma razão para se preocupar com esse ângulo morto, dado que este, tanto quanto ele saberia, dava para a berma, de onde não é suposto surgirem veículos…

A condutora da bicicleta circulava pela ciclovia, como manda a lei nos EUA, mas a ciclovia deixa de existir nos entroncamentos e entradas/saídas como a do vídeo, apesar de não haver sinalização vertical a validar as marcações rodoviárias… Ela quer seguir em frente e vê (ou, provavelmente não vê, porque não estava à procura desse sinal, perdida na ilusão de que na ciclovia não tem que se preocupar) um carro à sua esquerda a pôr o pisca, mas não abranda, assume, sem se certificar, que o condutor a viu e que lhe vai ceder passagem, e é aí que [quase] ocorre uma colisão – bastava o carro vir mais depressa…

Os técnicos e políticos que implementaram / autorizaram tal infraestrutura são os maiores culpados neste cenário, pois implementaram uma infraestrutura, cuja lei (nos EUA, em Portugal já não, desde 2014) obriga os ciclistas a usarem-a em vez das vias normais ao lado, que lhes oferece uma ilusão de segurança acrescida face às vias normais partilhadas com os automóveis, mas que os coloca em risco acrescido de abalroamento ao removê-los da corrente geral de tráfego e colocá-los nos ângulos mortos dos espelhos dos automóveis, e nos ângulos mortos mentais** dos condutores destes em todos os entroncamentos.

** para um condutor de automóvel activamente procurar ver o que se passa na berma ao seu lado, tem que estar formatado para tal, isso tem que fazer sentido – porque foi treinado para isso e porque a experiência lhe ensinou que é importante, que não o fazer é perigoso – não é o caso da situação do vídeo

Como evitar este tipo de colisão?

Automobilistas: sigam a lei, façam a curva no menor percurso possível, e para tal aproximem-se com antecedência da berma direita, mesmo que isso implique usar, parcialmente [porque a via é mais pequena do que o normal], a ciclovia, e no processo procurem garantir que não há ciclistas nos vossos ângulos mortos.

Ciclistas: saiam da ciclovia e ocupem o centro da via adjacente um pouco antes de chegarem ao entroncamento, só retornando à ciclovia depois de passarem, em segurança, a zona de conflito. Se não há ciclovia marcada, não circulem na berma como se ela fosse uma ciclovia destas, saiam do ângulo morto, coloquem-se bem no centro do campo de visão dos automobilistas, e vão mantendo uma noção do que se passa ao lado e atrás de vós enquanto atravessam a zona de conflito (ver artigo “Olhar: em frente, para trás, por cima do ombro“), para anteciparem os erros dos outros.