Em 2006-2007 começámos a interessar-nos particularmente por responder a esta pergunta:
“Como podemos melhorar a nossa experiência a usar a bicicleta para nos deslocarmos nas nossas estradas?”
Foi quando decidimos analisar o Código da Estrada, e o que este dizia sobre a circulação de bicicletas. Pensámos que colmatar a nossa ignorância nessa área poderia ajudar-nos a conduzir melhor, a tornar a experiência mais confortável, mais segura, mais eficiente.
Ao mesmo tempo que desenvolvíamos esta análise do CE, descobrimos logo no início que simplesmente conhecê-lo não nos ensinava a conduzir bem uma bicicleta, principalmente num meio em que a maior parte dos condutores de automóvel também não sabe (ou não cumpre) o que o CE diz acerca de como interagir com condutores de bicicleta. Começámos, por isso, a estudar a melhor forma de conduzir. Foi isso que nos levou a procurar um curso de instrutores de condução de bicicleta, que fizémos em 2008, e começar a ensinar outros, na nossa escola.
Por um mero acaso, no outro dia fui dar a este vídeo antigo, de início de 2007, onde ilustrávamos o estacionamento ilegal sobre uma ciclovia na marina de Albufeira:
É o que se chama um “tesourinho deprimente“. 🙂 Mas extremamente útil. Ali está, bem documentado, o “antes”, do “antes e depois de aprender a conduzir”.
Hoje agiríamos de forma muito diferente daquela registada no vídeo acima. (E não perderíamos tempo a documentar o desrespeito de outros por uma infraestrutura que é, à partida, um desrespeito para quem nela circule – só aprendemos isso depois também.)
Saber conduzir envolve 4 competências chave:
saber operar o veículo
conhecer o protocolo de circulação oficial
conhecer o protocolo de circulação não-oficial
saber identificar e gerir riscos
O Código da Estrada é o protocolo oficial. A práxis é o protocolo não-oficial. Um sítio perfeito para perceber a diferença entre os dois é nas rotundas, onde estes dois protocolos estão muito desfazados.
Mais recentemente, temos tido a oportunidade de conversar com algumas instituições de ensino superior que se encontram a desenvolver candidaturas, ou a ponderar fazê-lo, ao projecto U-BIKE Portugal, um projecto para promover a introdução de bicicletas nos campi universitários, por meio de um sistema de empréstimos de longa duração. O regulamento deste projecto é bastante detalhado no que concerne às especificações das bicicletas a fornecer, contudo presta muito pouca atenção à parte das acções de comunicação e formação. Consequentemente, é comum as instituições pensarem inicialmente em lançar-se à candidatura prevendo pouco mais do que transmitir aos futuros utilizadores das bicicletas os principais artigos relevantes do Código da Estrada, pensando que isso será suficiente. Temo-nos esforçado por tentar desfazer esse equívoco a tempo.
Assegurar o ponto 2, acima, é importante mas não é suficiente. Para circular de bicicleta em meios com um nível de tráfego relevante, é preciso aprender a conduzir. Não o fazer leva a repetidas más experiências, quando não mesmo a quedas e colisões efectivas – tudo coisas que podem, naturalmente, levar as pessoas a desistir de usar a bicicleta em determinados percursos ou mesmo desistir de a usar de todo.
O sucesso do U-BIKE, em particular, mas de qualquer outra iniciativa de promoção de uma mobilidade mais sustentável centrada na bicicleta, depende das pessoas aderirem, não desistirem, e trocarem o máximo possível de quilómetros feitos de carro por quilómetros em bicicleta. Negligenciar a parte da motivação, capacitação e formação é um erro crasso que afectará o potencial deste projecto, como tem afectado inúmeras outras iniciativas.
É fundamental disponibilizar às pessoas a oportunidade de melhorarem a sua compreensão do contexto rodoviário e a sua navegação no mesmo. Não basta distribuir informação sobre a legislação (disponível online aqui, aqui e aqui, por exemplo). E não bastam palestras, é fundamental haver sessões práticas complementares. Entretanto, enquanto quem o poderia fazer não o faz, resta aos utilizadores tomarem a iniciativa e instruírem-se como puderem, recorrendo a livros e sites estrangeiros, alguns recursos nacionais como o nosso blog e outros (ver Planeta Bicicultura) e/ou procurando as nossas aulas.
No momento em que escrevo, este vídeo já foi partilhado mais de 700 vezes, isto em apenas 4 dias. Em muitas dessas partilhas as pessoas adicionaram comentários de indignação dirigidos ora ao condutor da carrinha ora aos condutores das bicicletas.
Que tal jogar ao jogo “descobre os erros”? 🙂
Atenção que ‘erro’ e ‘ilegalidade’ não são necessariamente sinónimos. Há erros ilegais, há erros legais, e há até não-erros ilegais…
O condutor da carrinha branca
Cometeu vários erros, todos ilegais, souberam identificá-los? São eles:
Efectuou uma ultrapassagem perigosa colocando em risco dezenas de utilizadores vulneráveis – infracção ao Art. 11.º n.º 3, coima de € 60 a € 300.
Efectuou a ultrapassagem de forma a daí ter resultado perigo e embaraço para o trânsito – infracção ao Art. 35.º, coima de € 120 a € 600.
Iniciou ultrapassagem de um conjunto de veículos sem ter certeza de que a poderia realizar sem perigo de colidir com um veículo que surgisse em sentido contrário (lomba + curva sem visibilidade + impossibilidade de retomar a direita sem perigo para quem lá transitava) – infracção ao Art. 38.º n.º 1, coima de € 120 a € 600
Ultrapassou um conjunto de velocípedes sem manter a distância lateral mínima de 1.5 m – infracção ao Art. 38.º n.º 2 alínea e), coima de € 120 a € 600. [E no final já nem sequer estava a respeitar a obrigatoriedade de ocupar a via adjacente, dado haver um carro em sentido contrário…]
Efectuou uma ultrapassagem triplamente proibida: numa lomba, numa curva de visibilidade reduzida, onde a largura da faixa de rodagem não era suficiente – infracção ao Art. 41.º, coima de € 120 a € 600.
Pisou e transpôs uma linha contínua – infracção ao Art. 35.º do RST, coima de 10 000$ a 50 000$.
De notar que o Código da Estrada não abre excepções para estas infracções, ou seja, a legislação não considera a ultrapassagem ou a circulação rodoviária acima de determinada velocidade, um direito inalienável dos condutores, nem um direito mais importante do que a segurança de todos os utentes das vias.
O condutor da carrinha não tinha mais legitimidade para fazer aquela ultrapassagem ilegal por ser um grupo de bicicletas do que se fosse um grupo de automóveis, pelo contrário, até, pois o CE agora reconhece mais claramente que peões e condutores de velocípedes estão mais expostos às consequências dos erros dos condutores de veículos automóveis do que os condutores e passageiros destes, exigindo por isso um maior nível de cuidado e responsabilidade da parte de quem opera estes veículos potencialmente perigosos ao pé de tais utentes [mais] vulneráveis.
E para quem traz tópicos como impostos, seguros e matrículas ao barulho para esta situação, importa compreender que nenhuma dessas coisas tornaria esta ultrapassagem menos ilegal e menos perigosa.
Os condutores das bicicletas
Cometeram um erro ilegal:
Circularam sem manter a distância de segurança adequada face aos ciclistas da frente – infracção ao Art. 18.º n.º 1, coima de € 30 a € 150.
De resto, e na situação concreta do vídeo, é basicamente isto.
Agora, vamos assumir que antes e depois do local mostrado no vídeo, a estrada continua a ser algo sinuosa e a não permitir a ultrapassagem segura de um pelotão deste tamanho, e o comportamento dos ciclistas se mantém.
Os eventuais erros legais (‘erros’ porque são más práticas de condução que geram situações de risco, mas ‘legais’ porque não são proibidos pelo CE) seriam:
Não se organizarem em 2 ou 3 sub-grupos com um espaçamento constante entre eles, e suficiente para acomodar um automóvel de cada vez, e assim criar condições para facilitar a ultrapassagem, progressiva, do grupo, em segurança.
Os eventuais erros ilegais seriam:
Não desfazerem os pares para o ciclista mais à esquerda se poder chegar mais para a direita em segurança, para facilitarem a ultrapassagem quando há efectivamente condições de segurança para tais ultrapassagens (a lei obriga aos condutores de automóveis a usar a via adjacente e a manter pelo menos 1.5 m de distância lateral do ciclista durante a ultrapassagem) – infracção ao Art. 39.º n.º 1, coima de € 60 a € 300, e ao Art. 90.º n.º 2, coima de € 30 a € 150.
Finalmente, o contraponto a alguns comentários e argumentos típicos das pessoas que partilharam este vídeo:
tinham que ir em fila indiana– 1) o CE permite a circulação paralelamente, na mesma via, 2) se o pelotão fosse em fila indiana o congestionamento teria o dobro ou o triplo do comprimento!
Fonte: Bicla no Porto
tinham que ir encostados à direita– tal não é boa ideia e o CE não obriga a fazê-lo, e ultrapassagem não seria mais fácil dado que é proibido ultrapassar uma bicicleta usando total ou parcialmente a via em que ela circula!
Fonte: Coimbra’ Pedal (derivado de Cycling Savvy)
tinham que manter 50 m de distância uns dos outros para facilitar as ultrapassagens porque são veículos em marcha lenta – o CE exclui os velocípedes dessa obrigatoriedade porque, presume-se, os velocípedes permitem aos condutores atrás manterem a visibilidade quase total da estrada à sua frente, e frequentemente mantêm velocidades bastante baixas (mais não seja em subidas), viabilizando mais facilmente a sua ultrapassagem segura. Tal excepção visará também acautelar a circulação em grupo, comum no caso dos ciclistas.
tinham que ter escolta policial, com batedores – tal só é obrigatório para actividades desportivas que afectem o trânsito normal, o que não é o caso (pelo vídeo), ou seja, neste caso aquilo é trânsito e é ainda assim “normal”, a escolta policial não faria necessariamente as ultrapassagens possíveis, simplesmente dissuadiria os outros condutores de fazerem asneiras como o da carrinha branca.
«aqueles ciclistas acham-se donos da estrada toda e aproveitam para se mostrarem “importantes”» – são tão donos quanto os outros e têm direito a usá-la da mesma forma, salvaguardando a sua segurança.
um dos meus favoritos: «Grandes amontoados de ciclistas que se acham no direito de ocupar toda a via e obrigar os outros a circularem atrás deles durante kilometros!!!» – não é isto que os condutores de automóveis fazem sem que ninguém pestaneje, apite ou resolva ultrapassar à força?… Se não forem 50 bicicletas mas sim 50 automóveis, 50 scooters, 50 quadriciclos / microcarros (ou papa-reformas, como lhes chamam), 50 camiões, tractores, carroças, etc, não seria muito pior?…
«Mas o condutor da carrinha só fez aquilo porque os condutores das bicicletas não lhe deixaram alternativa!»
Será? Vamos analisar então as alternativas aos dispôr do condutor da carrinha, na situação registada no vídeo:
Manter-se atrás do grupo e aguardaruma oportunidade segura para ultrapassar (podia ser dali a 30 segundos ou 30 minutos, não se sabe).
Arriscara sua vida, a dos seus passageiros, as dos condutores das bicicletas, e a dos condutores e passageiros dos veículos a circular em sentido contrário, fazendo uma ultrapassagem claramente perigosa(e ilegal).
Claro que o condutor da carrinha tinha alternativa. Simplesmente achou que era aceitável pôr terceiros em risco para ele próprio não perder tempo num congestionamento. Na sua cabeça, justificou isto com a ideia de que o seu tempo era mais importante do que o dos ciclistas, ou de que o seu uso da estrada era mais justificado, importante, urgente! que o dos ciclistas (o típico “eu estou a trabalhar, eles estão a passear!“), ou a de que a culpa era dos ciclistas por não estarem a deixá-lo passar, e tornou isso mais relevante do que a segurança de todas aquelas pessoas, uma atitude realmente lamentável…
Mesmo que os condutores das bicicletas estivessem a fazer tudo mal, em termos de condução e em termos de Código da Estrada (que não estavam, mas vamos assumir), o condutor da carrinha branca não tinha o direito de fazer igual ou pior lá por causa disso. Tinha o dever e a responsabilidade de não pôr aquelas pessoas em risco, por muito que elas e a situação o irritassem. É isso que diz claramente o Código da Estrada de 2014, e é isso que se espera que qualquer condutor legalmente habilitado para conduzir uma arma em potência seja sábio o suficiente para compreender e respeitar. Não nos cabe a nós sermos juízes e carrascos em julgamentos sumários, dos nossos concidadãos na rua…
Nota prévia: o objectivo da Escola de Bicicleta da Cenas a Pedal é, primariamente, criar bons condutores de bicicleta, mas também, e no processo, criar melhores condutores no geral, para benefício de todos. Este post será útil para todos os condutores, seja de que veículo for.
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Quando conduzir não beba.
Toda a gente tem este slogan na cabeça (embora muitos continuem sem o respeitar…).
Mas não basta. Hoje em dia, com rádio, vídeo, telemóveis, tablets e afins no automóvel precisamos de interiorizar isto:
Os bons condutores só conduzem.
Escrevo este texto a propósito desta campanha que encontrei há tempos na net:
O COLO MATA
Sabemos o que estás a fazer aí em baixo. Enviar mesmo a mais curta SMS tira os teus olhos da estrada por 5 segundos – o suficiente para fazer uma vida inteira de estragos.
É relativamente comum ver pessoas a usar o telemóvel enquanto conduzem um automóvel, seja em movimento, seja em situações tipo pára-arranca (congestionamentos, semáforos, etc). Antes era quase sempre a preparar ou a efectuar chamadas, mas hoje em dia é igualmente comum vê-las a usarem o telemóvel para outras funções, nomeadamente, enviar e receber SMS, navegar no Facebook, tirar fotos, etc.
Fazem-no porque têm a ilusão de que têm o controlo da situação e de que conseguem detectar mudanças no ambiente e reagir eficazmente às mesmas apesar de estarem a tentar realizar duas tarefas em simultâneo. Estão enganados e esta campanha da ONG Responsible Young Drivers (RYD) demonstra isto muito bem:
Foi dito a estes alunos que, para passarem no exame de condução, teriam que provar conseguir conduzir em segurança e enviar SMS ao mesmo tempo, uma “nova directiva governamental”. As câmaras ocultas mostram bem os resultados…
O efeito do uso do telemóvel na condução de um veículo
Ora, usar o telemóvel, seja para conversar ou para outra coisa qualquer, enquanto se conduz tem três problemas graves:
1. leva-nos a momentaneamente deixar de olhar para o que se passa à nossa frente e ao nosso redor (5 segundos ou mais)
A 80 Km/h, em 5 segundos a olhar para outro sítio que não para a frente, dá para atravessarmos (às cegas) um campo de futebol inteiro (111 m). A 50 Km/h percorremos 70 m sem ver, e 30 Km/h percorremos um campo de futsal (42 m). Ao longo desta distância, pode haver veículos a imobilizarem-se à nossa frente, peões ou animais a atravessarem a estrada, etc – e nós não estamos a olhar sequer.
Em 2011 (segundo esta fonte) 23 % das colisões automóveis nos EUA envolveram telemóveis. Enviar mensagens pelo telemóvel enquanto se conduz torna envolvermo-nos numa colisão um cenário 23 vezes mais provável. E é 6 vezes pior que conduzir bêbado.
2. aumenta a nossa carga cognitiva, o que aumenta a probabilidade de cometermos erros
Carga cognitiva é a quantidade de informação que um humano tenta processar na memória de trabalho, a dado momento.
Limite cognitivo é o número máximo de pedaços de informação que uma pessoa consegue processar na memória de trabalho, a dado momento.
Para perceberem o efeito que a carga cognitiva tem na nossa capacidade de conduzir, sugiro que vejam pelo menos os minutos 20 a 26 deste (belíssimo) documentário:
Não é só o tempo de reacção que fica comprometido, mas também a capacidade de reacção, como mostra a experiência levada a cabo no documentário acima, por exemplo.
O que é que acontece quando aumentamos a nossa carga cognitiva, tentando desempenhar várias tarefas em simultâneo, e excedemos o nosso limite cognitivo? Temos um pior desempenho a todas as tarefas (mais erros, mais tempo), ou negligenciamos completamente algumas delas, não lhes conseguindo dedicar atenção suficiente.
Ver implica olhar e detectar, ou seja, não basta ter algo à nossa frente para o vermos, é preciso também processar mentalmente esse algo. Se não estivermos atentos o suficiente podemos sofrer de “inattentional blindness“, ou cegueira desatenciosa, numa tradução livre.
Cegueira desatenciosa é a falha em notar um objecto totalmente visível mas inesperado porque a atenção estava focada noutra tarefa, evento ou objecto.
3. obriga a tirar uma das mãos do guiador, ou a não o segurar da forma correcta
Isto faz-nos desviar a rota, frequentemente invadindo a via de trânsito contígua à esquerda, e condiciona a precisão da nossa reacção de tentar voltar para a direita.
Os condutores [americanos] jovens que enviam SMS enquanto conduzem passam 10 % do tempo fora da sua via de trânsito (segundo esta fonte). As consequências de tal negligência podem ser estas:
As nossas forças policiais de vez em quando fazem umas acções de fiscalização que incidem especificamente nesta infracção do uso de telemóvel a conduzir.
Contudo, não é suficiente, pois continua a ser uma prática disseminada, e perigosa.
Que diz o nosso Código da Estrada?
Artigo 11.º – Condução de veículos e animais
2 – Os condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer atos que sejam suscetíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança.
3 – O condutor de um veículo não pode pôr em perigo os utilizadores vulneráveis.
4 – Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de € 60 a € 300.
Ora, qualquer coisa que comprometa a nossa visão e/ou que comprometa a nossa capacidade de detectar e processar informação relevante ao conduzir, e reagir adequadamente em tempo útil, prejudica o exercício da condução com segurança. Exemplos:
enviar SMS’s
usar um telemóvel ou smartphone
comer e beber
conversar com passageiros
pentearmo-nos, maquilharmo-nos, etc
ler, incluindo mapas
usar um sistema da GPS
ver um vídeo
ajustar o rádio, leitor de CD ou MP3
fumar
Artigo 84.º – Proibição de utilização de certos aparelhos
1 – É proibida ao condutor, durante a marcha do veículo, a utilização ou o manuseamento de forma continuada de qualquer tipo de equipamento ou aparelho suscetível de prejudicar a condução, designadamente auscultadores sonoros e aparelhos radiotelefónicos.
2 – Excetuam-se do número anterior:
a) Os aparelhos dotados de um único auricular ou microfone com sistema de alta voz, cuja utilização não implique manuseamento continuado;
4 – Quem infringir o disposto no n.º 1 é sancionado com coima de € 120 a € 600.
Este artigo, que não pode contrariar o Art.º 11…, especifica alguns dos actos susceptíveis de prejudicar a condução, proibindo a utilização ou manuseamento prolongado de dispositivos que possam afectar negativamente a condução, apontando concretamente auscultadores e telemóveis. Contudo, abre logo uma excepção para estes se se usar apenas 1 auricular ou u sistema de alta-voz, ignorando totalmente o efeito muito mais importante da carga cognitiva, focando-se apenas na questão do controlo físico do carro, e da audição.
A lei está errada, peca por defeito.
Artigo 145.º – Contraordenações graves
1 – No exercício da condução, consideram-se graves as seguintes contraordenações:
nn) A utilização, durante a marcha do veículo, de auscultadores sonoros e de aparelhos radiotelefónicos, salvo nas condições previstas no n.º 2 do artigo 84.º;
Artigo 147.º – Inibição de conduzir
1 – A sanção acessória aplicável aos condutores pela prática de contraordenações graves ou muito graves previstas no Código da Estrada e legislação complementar consiste na inibição de conduzir.
2 – A sanção de inibição de conduzir tem a duração mínima de um mês e máxima de um ano, ou mínima de dois meses e máxima de dois anos, consoante seja aplicável às contraordenações graves ou muito graves, respetivamente, e refere-se a todos os veículos a motor.
O que é que isto tem a ver comigo ao conduzir uma bicicleta?
Primeiro, a lei também se aplica aos condutores de velocípedes, a única diferença é na escala das coimas, que são reduzidas a metade:
Artigo 96.º – Remissão
As coimas previstas no presente Código são reduzidas para metade nos seus limites mínimo e máximo quando aplicáveis aos condutores de velocípedes, salvo quando se trate de coimas especificamente fixadas para estes condutores.
Esta redução reflecte o menor perigo associado à condução de uma bicicleta versus um veículo motorizado. As consequências dos nossos erros a conduzir uma bicicleta são substancialmente menores e menos graves que a conduzir um automóvel. Contudo, embora a severidade das consequências possa ser menor, a probabilidade de sinistro continua a existir (nomeadamente afectando outros “utilizadores vulneráveis”, como ciclistas e peões), daí que faça sentido a lei também se aplicar a estes condutores.
Segundo, de bicicleta estamos mais vulneráveis às consequências da distracção durante a condução por parte de quem conduz veículos motorizados, porque 1) não temos uma carapaça de protecção contra impactos e 2) continuamos a ser, em muitas circunstâncias, elementos inesperados (porque as bicicletas são relativamente raras nas vias públicas).
Mas então, é demasiado perigoso andar de bicicleta!
Não, o risco existe, mas não num vácuo. É mais perigoso ter uma vida sedentária que andar de bicicleta, por exemplo.
Para um condutor competente, que conduza um veículo seguro, o risco de se envolver num sinistro é muito menor do que para um condutor que não tenha as ferramentas necessárias para praticar uma condução segura, ou que as tendo, não as use.
Investindo, por isso, em tornarmo-nos condutores competentes de veículos fiáveis e em boas condições de operação, a envolvermo-nos num sinistro, é mais provável que este seja causado por negligência grosseira de outro condutor: condução em estado intoxicado, sob a influência de substâncias psicotrópicas, cansado, sonolento, distraído. Ou seja, o nosso risco global é muito baixo, mas continua a existir, e a ameaça maior passa a ser esta. Para os outros condutores, as principais ameaças são coisas que um bom condutor evita automaticamente…
O que fazer para reduzir ainda mais esse risco?
1. Liderar pelo exemplo
Os exemplos, sejam bons ou maus, são muito poderosos. Há-que dar o melhor exemplo possível, há sempre muita gente a ver.
A conduzir, a nossa atenção tem que estar 100 % dedicada a essa tarefa.
2. Falar destas questões com toda a gente, sempre que se proporcionar
A cultura é mais importante do que a lei. Podemos ter leis espectaculares, mas se a cultura não as acompanha, serão ineficazes, pois as pessoas moldam a sua interpretação e a sua aplicação da lei às suas crenças.
Tem que haver pressão dos pares para não incorrer nestes comportamentos. Ser um mau condutor tem que ser mal visto na sociedade. Por isso temos que falar destas coisas, discuti-las, chamar os outros à atenção, educar, exigir a nossa segurança e a dos outros.
3. Exercer o nosso dever profissional e/ou cívico
As autoridades policiais não devem fechar os olhos a estes comportamentos, reforçando-os. Agirem pode salvar vidas.
Se somos passageiros num veículo devemos insistir com o condutor para uma condução segura para todos. É nossa responsabilidade acusar atitudes negligentes e pressionar para que sejam suspensas.
4. Reduzir a nossa exposição
Risco = probabilidade x severidade x exposição
Eu consigo reduzir o meu risco mexendo nestas 3 variáveis. Neste caso em concreto de condutores distraídos (ou comprometidos nas suas capacidades, ex.: álcool, sonolência, cansaço), há pouco que eu possa fazer para reduzir a severidade das consequências de uma colisão. Mas eu posso tentar reduzir a minha exposição. Por exemplo, evitando zonas e horários típicos de condutores intoxicados, ou horários onde é mais comum haver condutores em privação de sono e cansados, se eu tiver essa informação.
5. Reduzir a probabilidade de uma colisão
Para reduzir o risco a que me exponho, posso ainda adaptar a minha condução de forma a reduzir a probabilidade de me envolver numa colisão. Por exemplo, ajustando a minha posição na estrada ao aguardar num semáforo ou num STOP, deixando sempre margem para erros da parte dos outros condutores (ex.: estarem a olhar para mim não quer dizer que me tenham detectado – “cegueira desatenciosa”; o outro condutor ter um sinal de STOP não garante que ele vá ceder-me a passagem, pode vir distraído; se o comportamento do outro condutor é errático ou revela sinais de estar a tentar compensar por algo, dobrar os cuidados perto dele…).