Escola de Bicicleta

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Investir na segurança: por onde começar?

montana-raftingVamos assumir que decidi ir fazer rafting, como guia.

O que acontece se me lançar à água no insuflável sem primeiro ter aprendido como conduzir a embarcação em segurança? Se calhar isso não é absolutamente necessário, desde que use um colete salva-vidas e um capacete, estou segura, não? E não deve haver problema se eu não souber nadar, desde que tenha o colete salva-vidas e um seguro, está tudo OK, certo?

Não.

Para sermos capazes de tomar decisões acerca de segurança, temos que primeiro compreender a noção de risco.

De uma forma simplificada, esta é a equação do risco:

Risco [R] = probabilidade de acontecer [P] x severidade das consequências se acontecer [C]

A segurança activa actua na probabilidade, a segurança passiva actua nas consequências.

No que à utilização da bicicleta diz respeito, a hierarquia de prioridades de investimento, na forma de cuidado e dinheiro, em segurança, deverá ser esta:

  1. uma bicicleta adequada ao nosso corpo (peso, altura, proporções) e aos percursos que fazemos (piso, orografia, clima, etc)
  2. roupa e sapatos adequados à bicicleta, ao contexto dos percursos, e ao nosso nível de destreza
  3. [serviço para] boa manutenção mecânica regular da bicicleta
  4. luzes adequadas [de acordo com o Código da Estrada], e reflectores, na bicicleta
  5. [aulas para] boa operação e bom controlo da bicicleta
  6. [aulas para] condução segura de bicicleta (não basta conhecer o CE)
  7. óculos
  8. vestuário/acessórios reflectores

Os itens acima servem para tentar reduzir a probabilidade de chegarem a acontecer quaisquer quedas ou colisões – segurança activa. Só depois vêm:

  1. luvas
  2. capacete (e joelheiras, cotoveleiras, whatever, para quem é particularmente descoordenado ou de constituição invulgarmente frágil e cai com frequência apesar dos pontos 1 a 7 acima…)
  3. cenas como esta
  4. seguros de acidentes pessoais e de responsabilidade civil

Tal como manter a nossa bolha de segurança (algo que se aprende ao investir no ponto 6 da lista acima), estes itens (9 a 12) servem para tentar reduzir a gravidade dos danos físicos e/ou dos prejuízos financeiros das quedas e colisões que efectivamente aconteçam – segurança passiva. Nada fazem para evitar que essas quedas e colisões aconteçam – aliás, devido a fenómenos de compensação do risco (pelo próprio condutor da bicicleta e pelas outras pessoas com quem este se cruza), podem até aumentar a probabilidade das mesmas.

Como é que eu posso reduzir o meu risco a zero ou quase?

risco

Posso investir em reduzir C, a gravidade das consequências, mas a minha capacidade para tal é bastante reduzida, os equipamentos de protecção têm grandes limitações, e os seguros não cobrem todos os prejuízos físicos, patrimoniais, morais e sociais associados a quedas e colisões relevantes, além de custarem algum dinheiro todos os anos, pelo que C nunca será zero nem nada próximo disso. Além disso, mesmo que tivesse todas as despesas pagas e a certeza de recuperar fisicamente sempre a 100 %, eu prefiro não ter que passar pela experiência de me magoar e de precisar de assistência médica, internamento hospitalar, etc, e independentemente de ser por culpa minha ou de terceiros… Por isso, a minha aposta é primeiro e principalmente reduzir P, que posso levar a um nível mais próximo de zero. Para tal tenho que me certificar que tenho um controlo adequado da bicicleta, tenho que aprender a identificar, avaliar e comparar riscos e a aplicar as estratégias adequadas cada situação. Tenho que saber que tipos de quedas e colisões ocorrem, compreender as suas causas e saber como as evitar.

bicycle-lights_590_360_80_all_10Ainda é comum ver pessoas a circular à noite de bicicleta com capacete mas sem luzes [adequadas e eficazes].

Ainda é comum ver pessoas a circular à noite com coletes e n outros elementos reflectores mas sem luzes [adequadas e eficazes].

Ainda é comum ouvir pessoas todas equipadas com capacete, montes de luzes e reflectores diferentes, até 2 espelhos, e às vezes até muito boas bicicletas, queixarem-se das n quedas e colisões que já tiveram, e/ou dos frequentes sustos nas estradas e ciclovias, que nunca investiram o seu tempo e o seu dinheiro a perceber se há algo que esteja ao seu alcance fazer para reduzir tudo isso. Acreditarão que são totalmente impotentes para mudarem a sua experiência? Acreditarão que sabem tudo e que não têm nada de útil a aprender? Acreditarão que só os outros têm coisas para aprender?…

A prevenção é o melhor remédio, e a educação é o melhor caminho.

Ver mais, ver cedo

Este artigo visa ajudar a compreender como aplicar as 4 regras de uma condução segura, descritas neste outro texto.

Já aqui falámos da importância de OLHAR: em frente, para trás, por cima do ombro, e como e quando o fazer durante a condução. Ora, o propósito de olhar é VER, ver – atempadamente – tudo o que possa interferir com a nossa trajectória, para que nada nem ninguém nos apanhe totalmente de surpresa.

Ver um buraco, um carro ou um peão quando já estamos em cima deles é inútil. Temos que saber que elementos devemos conseguir – a todo o momento – ver, mas também qual a antecedência com que precisamos de os ver para termos tempo de ajustar a nossa posição, rota e/ou velocidade para evitar quedas e colisões. Isso varia com a nossa velocidade, com a bicicleta, a carga, e com todo o contexto à nossa volta (ângulos de visibilidade, volume e velocidade do restante tráfego, condições do pavimento, etc).

Queremos, por isso, ver mais [coisas relevantes], e ver cedo. Todo o condutor tem que, continuamente, fazer um ‘scan‘ ao ambiente à sua volta:

Traduzido/adaptado do livro "Urban Bikers Tips & Tricks", de Dave Glowacz

Traduzido/adaptado do livro “Urban Bikers Tips & Tricks”, de Dave Glowacz

 

A posição da bicicleta na via é algo que afecta cada uma d’As 4 regras de uma condução segura, a começar pela nossa capacidade de ver, pois a posição [lateral] na via determina o nosso ponto de vista e, logo, a nossa perspectiva.

A posição na via é, por isso, um dos factores mais críticos na condução de bicicleta, e deve ser adoptada de forma consciente e deliberada.

A capacidade de ver maior área e mais cedo é ilustrada nas imagens comparativas abaixo.

Com a perspectiva da imagem de baixo consegue ver-se algum do espaço entre os carros estacionados, mais cedo – se houver pessoas a surgir desses espaços,  para atravessar ou simplesmente para aceder aos automóveis pelo seu lado esquerdo, nós conseguimos vê-las a tempo. Se alguém se preparar para abrir a porta do carro do lado esquerdo – potencialmente interferindo na nossa trajectória, nós também conseguimos detectar isso mais cedo.

Posição desviada para a direita

Posição desviada para a direita

Posição centrada na via

Posição centrada na via

A mesma situação é ilustrada nos dois pares de imagens abaixo, que incluem dois factores agravantes: carrinhas altas, e uma passadeira.

Posição desviada para a direita

Posição desviada para a direita

Posição centrada na via

Posição centrada na via

Posição centrada na via

Posição centrada na via

Posição desviada para a direita

Posição desviada para a direita

O par de imagens abaixo mostra uma situação com duas variações também agravantes: carros estacionados em espinha (tapam mais as pessoas que surjam por entre eles), e uma rua curva (o que implica que, circulando desviados para a direita deixamos de ver uma parte da faixa de rodagem poucos metros à frente):

Posição desviada para a direita

Posição desviada para a direita

Posição centrada na via

Posição centrada na via

A outra vantagem, em termos de visibilidade, que circular mais centrado na via de trânsito oferece, é que nos permite ver o que se passa também à esquerda dos carros à frente, algo que não é possível quando circulamos desviados para a direita – em muitas situações, a melhor posição na via é a mesma de todos os outros condutores, mesmo de automóveis.

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É importante recordar: se nós não vemos os olhos dos outros condutores (directamente através de espelhos retrovisores), eles também não nos vêem, logo, falhar ver pode implicar também falhar ser visto. É assim que acontecem colisões como a da ilustração abaixo, chamada de “left cross” ou atravessamento à esquerda:

Fonte: Commute Orlando

Fonte: Commute Orlando

Um exemplo real pode ser analisado neste vídeo (é do Reino Unido, por isso temos que inverter a situação para a compreender no contexto português).

Mas não é só a posição lateral na via que importa, temos que garantir que deixamos espaço suficiente entre nós e o carro da frente para conseguirmos ver o chão que vamos pisar logo a seguir (quanto maior a velocidade, mais importante isto é). Deixar uma distância de segurança do veículo da frente é uma regra básica do Código da Estrada, e é particularmente importante para um veículo de duas rodas (há irregularidades no pavimento que são irrelevantes para um automóvel mas que podem mandar uma bicicleta ao chão).

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O condutor desta bicicleta não está a deixar uma distância de segurança adequada do carro à sua frente

À noite, as luzes não são opcionais. Há que não cair no erro de pensar que basta uma luz para se ser visto. A nossa capacidade de fazer um scan ao caminho fica comprometida se não tivermos uma boa luz dianteira na bicicleta, capaz de iluminar o chão (e obstáculos, incluindo peões que, ao contrário dos veículos, não estão equipados com luzes próprias…). 
Supernova E3 E-bike

A maior parte das quedas sofridas pelos ciclistas são a solo, e não ver o caminho é um factor importante na causa dessas quedas.

RESUMINDO:

» Faz continuamente um ‘scan’ ao que está à tua frente, mas também dos lados e até atrás, para identificares potenciais riscos a tempo de os evitares.

» Garante sempre que te posicionas de forma a maximizar a tua capacidade de ver obstáculos no pavimento, e peões e veículos em potencial rota de colisão contigo – lembra-te que quanto maior a tua velocidade, mais longe precisas de conseguir ver (porque chegas lá mais depressa, e porque se caíres a alta velocidade magoas-te mais).

» À noite, ou sempre que as condições climatéricas o exijam, usa uma boa luz dianteira, contínua, capaz de iluminar bem o chão, numa distância útil.

E, no processo, lembra-te sempre dos 10 mandamentos sociais da estrada.

A diferença entre ser visível e ser visto

Este artigo visa ajudar a compreender como aplicar as 4 regras de uma condução segura, descritas neste outro texto.

Visível significa passível de ser visto.  Ser visto implica ser visível, mas ser visível não implica ser visto.

Como SER VISTO?

  1. ser visível
  2. posicionarmo-nos onde é expectável que os outros* dirijam o seu olhar e atenção
  3. posicionarmo-nos fora dos ângulos mortos do(s) outro(s) veículo(s)

* os outros que sejam relevantes para o nosso trajecto

Exemplo A

Imaginem um cruzamento numa zona sem iluminação artificial (ou em que esta é fraca):

Se a situação acima acontecer de dia, o condutor da bicicleta cumpriu os 3 pontos necessários para ser visto.

Se a situação acontecer de noite e a bicicleta estiver equipada com luzes capazes e funcionais, o condutor também cumpriu os 3 pontos.

Se for de noite e a bicicleta não tiver luzes [eficazes] o condutor da bicicleta falha o ponto 1, e apesar de acautelar os restantes dois pontos, não vai ser visto [a tempo].

O condutor da bicicleta poderia ser visto, mas como não era visível, não será visto.

Exemplo B

Pensem na situação de um condutor de bicicleta a circular, ilegalmente, em contra-mão aproximando-se de um entroncamento (ou de uma saída de garagem, etc):

1-Captura de ecrã total 20102015 124430

A bicicleta até pode ter uma boa luz (ou seja, é visível), mas não vai ser vista [a tempo] porque está numa zona em que, para o condutor do carro, não é expectável virem veículos.

O olhar e atenção do condutor do carro estão focados na zona sombreada a verde, que é de onde é expectável surgirem veículos a quem possa ser necessário ceder passagem, ou confirmar se não vão colidir com ele.

O condutor da bicicleta circula/posicionou-se num “ângulo morto mental” do condutor do carro, e por isso dificilmente vai ser visto por ele. Outro exemplo – de um ‘gancho à direita’ – é analisado aqui.

Exemplo C

Os carros têm ângulos mortos, ou seja, zonas no seu exterior que o condutor não consegue ver – directamente ou com recurso a espelhos retrovisores, na sua posição normal de condução.

A situação abaixo mostra como um veículo pequeno como a bicicleta pode ficar oculto pelas barras laterais do carro por uns instantes – que podem ser fatais.

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Como as bicicletas são elementos minoritários e pouco frequentes, no ambiente rodoviário, o condutor do carro não vai lembrar-se e preocupar-se em mover a cabeça para garantir que não está um ciclista tapado pela barra – o condutor do carro está formatado para pensar em carros, cujo maior volume elimina quase totalmente o risco de esta situação ocorrar com um.

Os camiões têm ângulos mortos consideráveis porque são veículos volumosos e o condutor está bastante elevado face à estrada.

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A regra é:

Se tu não consegues ver os olhos do condutor, o condutor não te consegue ver a ti.

O cone de foco

Conduzir um carro é uma tarefa tremendamente exigente, e os seres humanos cometem erros. Principalmente nessas alturas queremos garantir que somos vistos tanto mais cedo quanto possível. A figura abaixo ilustra o conceito de “cone de foco” de um condutor de um automóvel (cliquem para aumentar).

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Daqui se depreende que, para garantir que somos vistos, devemos procurar posicionarmo-nos na via de trânsito (e não na berma, por exemplo), e idealmente mesmo no centro da via. Mas e se apanhamos atrás de nós condutores distraídos ou em excesso de velocidade?

Bom, aí é que é mesmo muito importante sermos vistos cedo e de forma clara! Nesses casos a área primária de foco e o “cone de vigilância” estreitam-se e alongam-se, pelo que os condutores focam a sua atenção mesmo no centro da sua via e lá ao fundo – e nós queremos que eles nos vejam lá.

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Cone de foco normal

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Conce de foco com o aumento da velocidade / distracção / limitação

Por isso é que, principalmente numa estrada nacional onde é fácil encontrar carros conduzidos em excesso de velocidade, é importantíssimo fazer isto:

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De notar que circular no centro garante maior contraste visual do que circular na berma, o que reduz a probabilidade de não sermos detectados a tempo (ou seja, aumenta o nosso factor “ser visível” além do “ser visto”).

Como é óbvio, circular de noite sem luzes adequadas torna ser visto uma missão complicada ou mesmo impossível, como demonstra o Exemplo A acima, e como é fácil de perceber olhando para a imagem anterior e imaginando que é de noite.

Recapitulando, para SERES VISTO:

  1. sê visível
  2. posiciona-te onde é expectável que os outros relevantes dirijam o seu olhar e atenção
  3. posiciona-te fora dos ângulos mortos do(s) outro(s) veículo(s)

As 4 regras de uma condução segura

Ao conduzir um veículo – seja ele qual for – há 4 coisas fundamentais que temos que fazer se quisermos reduzir o risco a que nos expomos e a que expomos terceiros:

1. VER

2. SER VISTO

3. COMUNICAR

4. DAR ESPAÇO PARA ERROS

Isto não é uma receita, é apenas uma lista de ingredientes que não podem faltar.

A forma como os usamos varia de situação para situação. Estas regras não valem de muito para alguém que não conhece ou compreende as dinâmicas das colisões, e a psicologia humana – esse é que é o principal desafio em termos de aprendizagem.

Temos que esmiuçar cada uma destas regras:

VER: o quê, quem, quando, como, porquê?

SER VISTO: por quem, quando, como, porquê?

COMUNICAR: o quê, quando, como, a quem?

DAR ESPAÇO P/ ERROS: de quem, quais, como, porquê?

Para toda e qualquer situação, ao conduzir, temos que saber responder correctamente a estas questões. É isso que queremos [continuar a] fazer aqui no blog. Do arquivo actual:

Artigos sobre VER:

Artigos sobre SER VISTO:

Artigos sobre COMUNICAR:

Artigos sobre DAR ESPAÇO PARA ERROS:

A par destas regras básicas, importa compreender e aplicar ao ambiente rodoviário o conjunto de valores que vigoram noutras áreas da nossa sociedade e que se consubstanciam nestes 10 mandamentos sociais da estrada.