Escola de Bicicleta

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Investir na segurança: por onde começar?

montana-raftingVamos assumir que decidi ir fazer rafting, como guia.

O que acontece se me lançar à água no insuflável sem primeiro ter aprendido como conduzir a embarcação em segurança? Se calhar isso não é absolutamente necessário, desde que use um colete salva-vidas e um capacete, estou segura, não? E não deve haver problema se eu não souber nadar, desde que tenha o colete salva-vidas e um seguro, está tudo OK, certo?

Não.

Para sermos capazes de tomar decisões acerca de segurança, temos que primeiro compreender a noção de risco.

De uma forma simplificada, esta é a equação do risco:

Risco [R] = probabilidade de acontecer [P] x severidade das consequências se acontecer [C]

A segurança activa actua na probabilidade, a segurança passiva actua nas consequências.

No que à utilização da bicicleta diz respeito, a hierarquia de prioridades de investimento, na forma de cuidado e dinheiro, em segurança, deverá ser esta:

  1. uma bicicleta adequada ao nosso corpo (peso, altura, proporções) e aos percursos que fazemos (piso, orografia, clima, etc)
  2. roupa e sapatos adequados à bicicleta, ao contexto dos percursos, e ao nosso nível de destreza
  3. [serviço para] boa manutenção mecânica regular da bicicleta
  4. luzes adequadas [de acordo com o Código da Estrada], e reflectores, na bicicleta
  5. [aulas para] boa operação e bom controlo da bicicleta
  6. [aulas para] condução segura de bicicleta (não basta conhecer o CE)
  7. óculos
  8. vestuário/acessórios reflectores

Os itens acima servem para tentar reduzir a probabilidade de chegarem a acontecer quaisquer quedas ou colisões – segurança activa. Só depois vêm:

  1. luvas
  2. capacete (e joelheiras, cotoveleiras, whatever, para quem é particularmente descoordenado ou de constituição invulgarmente frágil e cai com frequência apesar dos pontos 1 a 7 acima…)
  3. cenas como esta
  4. seguros de acidentes pessoais e de responsabilidade civil

Tal como manter a nossa bolha de segurança (algo que se aprende ao investir no ponto 6 da lista acima), estes itens (9 a 12) servem para tentar reduzir a gravidade dos danos físicos e/ou dos prejuízos financeiros das quedas e colisões que efectivamente aconteçam – segurança passiva. Nada fazem para evitar que essas quedas e colisões aconteçam – aliás, devido a fenómenos de compensação do risco (pelo próprio condutor da bicicleta e pelas outras pessoas com quem este se cruza), podem até aumentar a probabilidade das mesmas.

Como é que eu posso reduzir o meu risco a zero ou quase?

risco

Posso investir em reduzir C, a gravidade das consequências, mas a minha capacidade para tal é bastante reduzida, os equipamentos de protecção têm grandes limitações, e os seguros não cobrem todos os prejuízos físicos, patrimoniais, morais e sociais associados a quedas e colisões relevantes, além de custarem algum dinheiro todos os anos, pelo que C nunca será zero nem nada próximo disso. Além disso, mesmo que tivesse todas as despesas pagas e a certeza de recuperar fisicamente sempre a 100 %, eu prefiro não ter que passar pela experiência de me magoar e de precisar de assistência médica, internamento hospitalar, etc, e independentemente de ser por culpa minha ou de terceiros… Por isso, a minha aposta é primeiro e principalmente reduzir P, que posso levar a um nível mais próximo de zero. Para tal tenho que me certificar que tenho um controlo adequado da bicicleta, tenho que aprender a identificar, avaliar e comparar riscos e a aplicar as estratégias adequadas cada situação. Tenho que saber que tipos de quedas e colisões ocorrem, compreender as suas causas e saber como as evitar.

bicycle-lights_590_360_80_all_10Ainda é comum ver pessoas a circular à noite de bicicleta com capacete mas sem luzes [adequadas e eficazes].

Ainda é comum ver pessoas a circular à noite com coletes e n outros elementos reflectores mas sem luzes [adequadas e eficazes].

Ainda é comum ouvir pessoas todas equipadas com capacete, montes de luzes e reflectores diferentes, até 2 espelhos, e às vezes até muito boas bicicletas, queixarem-se das n quedas e colisões que já tiveram, e/ou dos frequentes sustos nas estradas e ciclovias, que nunca investiram o seu tempo e o seu dinheiro a perceber se há algo que esteja ao seu alcance fazer para reduzir tudo isso. Acreditarão que são totalmente impotentes para mudarem a sua experiência? Acreditarão que sabem tudo e que não têm nada de útil a aprender? Acreditarão que só os outros têm coisas para aprender?…

A prevenção é o melhor remédio, e a educação é o melhor caminho.

Bolha de segurança

O risco associado a uma eventual queda ou colisão é uma função da probabilidade da mesma acontecer e, esta acontecendo, da gravidade das suas consequências. De forma simples:

Risco = [probabilidade de acontecer] x [gravidade das consequências]

Firefighters holding safety net --- Image by © Anthony Redpath/Corbis

Firefighters holding safety net — Image by © Anthony Redpath/Corbis

Se eu tiver que saltar, ou algo me fizer cair, da varanda de um 5º andar as consequências serão letais. Mas eu posso adoptar medidas para reduzir a zero ou quase a probabilidade de eu me ver numa situação em que tenha que saltar, ou possa cair, de uma varanda do 5º andar, logo, o risco associado é residual. Ou então posso deixar de me preocupar com precauções para não me ver nessa situação e aceitar a possibilidade de vir a ter que saltar, ou cair, do 5º andar, mas antes colocar lá em baixo uma rede para me amparar a queda e reduzir de alguma forma as consequências da mesma. São ambas formas de reduzir o risco a que me exponho.

Aqui na escola, nas aulas de condução de bicicleta, treinamos os nossos alunos para reduzirem os riscos a que se expõem ao andar de bicicleta, focando-nos primordialmente na parte do “probabilidade de acontecer”, ou seja, desenvolvendo as competências necessárias para, antes de mais, evitar quedas e colisões, pois é a forma mais eficaz de reduzirmos o risco.

Contudo, as nossas chances podem ser melhoradas se além de adoptarmos comportamentos e estratégias que diminuem a probabilidade de uma queda ou colisão acontecer – primeira linha de defesa, adoptarmos também algumas medidas simples e acessíveis que minimizem as consequências de uma eventual queda ou colisão que não consigamos evitar – segunda linha de defesa.

Nas nossas aulas começamos por, logo no Nível 1, ensinar os alunos a assegurarem a todo o momento a sua “BOLHA DE SEGURANÇA“, um espaço em toda a sua volta que lhes permita:

1) tempo e espaço para passarem, oscilarem a sua trajectória, travarem ou se desviarem de obstáculos, sem colidirem com nada nem ninguém no processo, e

2) espaço desimpedido sobre o qual cair, caso uma queda seja inevitável.

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Bolha de segurança, tipo isto, mas maior. 🙂

Sendo que o tamanho mínimo desta bolha é uma função da nossa velocidade (e/ou da de quem, ou daquilo, que por nós passa): quanto maior a velocidade, maior a bolha.

Enquanto condutora de um bicicleta (ou de qualquer outro veículo) eu posso:

1) escolher a rota que me oferece a maior bolha possível, e adequada à minha velocidade

2) se a rota preferida não assegurar a bolha de segurança mínima para a velocidade a que circulo, e não havendo rotas alternativas, adequar a minha velocidade ao tamanho possível da minha bolha.

E quanto mais pobres forem as minhas competências básicas de controlo da bicicleta e condução, maior terá que ser a minha bolha, e/ou mais devagar deverei circular, para compensar a minha inabilidade em identificar e detectar riscos, minimizá-los, e reagir com sucesso a eles.

Porque é que é importante reservar espaço para cair?

Porque cair no chão é diferente de cair sobre um lancil, um pilarete, um banco de jardim, etc. As consequências da queda serão provavelmente significativamente piores no segundo caso.

Um exemplo real, aqui:

Isso leva-nos a uma terceira linha de defesa, que é: não transportar junto ao corpo objectos que, pela sua forma, volume, rigidez, e/ou localização, possam piorar as consequências de uma queda – como se transportássemos connosco um pilarete para depois cairmos sobre ele. 😉 Exemplos comuns para os condutores de bicicleta em contexto de transporte: chaves (ouch!), telemóveis, e cadeados:

What can go wrong? Bom, uma queda que poderia, de outra forma, não resultar em lesões de monta, pode resultar nisto, ou pior, se tivermos azar.

Mas não é só na cidade, em contextos recreativo e desportivo também se podem cometer lapsos destes, potencialmente com consequências desastrosas. Um exemplo do que acontece quando tudo corre mal é o do Eddy King, que numa queda de bicicleta em 2013, uma peça de uma bomba de ar que ele transportava na sua mochila de hidratação pressionou e lesionou-lhe a espinha dorsal, deixando-o paraplégico.

Por isso, é importante seleccionar criteriosamente os objectos que transportamos connosco junto ao corpo, seja em bolsos da roupa normal, seja pendurado de alguma forma, seja em bolsos dos jerseys, ou em mochilas. Manter a nossa bolha de segurança começa mesmo junto à pele.

As nossas ciclovias são o oposto de autoestradas

Quando as pessoas ingressam na nossa escola no Nível 1.0 e lhes perguntamos quais os seus objectivos de curto e médio prazo, muitas vezes dizem-nos que lhes bastará concluir o Nível 1, de adaptação à bicicleta, pois só pretendem dar uns passeios, vão andar “apenas em ciclovias”, não pretendem ir para a estrada (algo que um principiante normalmente considera muito avançado e/ou perigoso).

Esta ideia de que andar de bicicleta em ciclovias exige menos competências e conhecimentos do que andar em estrada, e de que mesmo sem essas competências e conhecimentos é ainda assim mais seguro, é uma ideia extremamente comum. É, contudo, uma ideia totalmente errada, e muito perigosa (não me posso precaver de riscos que não detectei sequer, ou que não compreendo ainda).

Tipos de condução e riscos

Fonte: I Am Traffic

Por isso, na escola, esforçamo-nos por conseguir levar todos os alunos a completar pelo menos o Nível 2, de adaptação ao meio, do nosso programa de formação em condução de bicicleta, para assegurar que levam da escola as ferramentas básicas que os ajudarão a maximizar a sua própria segurança.

Uma ciclovia ou ciclofaixa portuguesa típica é totalmente o oposto de uma “autoestrada para bicicletas”. E este post no Facebook da ANSR, sobre a segurança das autoestradas, ajuda a perceber melhor isso:

Auto-estradas são mais seguras

É fácil, usando estes argumentos acima como ponto de partida, perceber os factores que tornam as ciclovias, e as ciclofaixas – principalmente as bidireccionais ou assim usadas – implementadas na malha urbana, mais perigosas do que as estradas.

A ciclovia urbana portuguesa é, por definição, a via mais perigosa no meio rodoviário. Porquê?

  • possui cruzamentos de nível, maioritariamente não-semaforizados, e geralmente com lancis
  • possui muitos atravessamentos de peões
  • possui apenas 1 via de trânsito em cada sentido, e extremamente estreitas, dificultando ou até inviabilizando ultrapassagens seguras
  • autoriza, e por vezes até incentiva ou obriga mesmo, o trânsito de peões
  • não possui entradas e saídas, ou estas são por via de degraus e sem ligação lógica e segura à estrada e/ou mesmo aos passeios

Além disto, poderemos ainda adicionar:

  • os cruzamentos são mais complexos, criando ângulos mortos
  • não têm margens de segurança
  • têm muitos pontos e curvas cegas
  • frequentemente são ladeadas – sem margem de segurança –  por objectos capazes de causar ferimentos sérios em caso de queda: ex.: pilaretes, ou até mesmo capazes de provocar uma queda: lancis, delimitadores em betão, olhos de gato, etc
  • raramente são bem iluminadas
  • os pavimentos são muitas vezes irregulares, mal mantidos (buracos, folhas caídas, água, etc), escorregadios (ex.: calçada)
  • etc, etc

Claro que uma faixa de rodagem ou uma via de trânsito onde não circulem automóveis será mais agradável e mais confortável pela ausência de desse elemento ameaçador, ou pelo seu distanciamento. Mas uma coisa é conforto, outra é segurança, e devemos saber distinguir as duas coisas.

Algumas ciclovias, em determinadas circunstâncias, são alternativas úteis ou simplesmente apelativas. É importante saber reconhecer quando é que determinada ciclovia, em determinada deslocação, é a melhor opção para nós e quando é que não é. E é fundamental conhecer os riscos específicos das ciclovias e como os minimizar com a nossa condução, de forma a podermos tirar o melhor partido destas infraestruturas, sempre que nos convier, sem nos expormos desnecessariamente a riscos acrescidos.

Não basta aprendermos a andar de bicicleta, é fundamental aprendermos a conduzir!

Os bons condutores só conduzem

Nota prévia: o objectivo da Escola de Bicicleta da Cenas a Pedal é, primariamente, criar bons condutores de bicicleta, mas também, e no processo, criar melhores condutores no geral, para benefício de todos. Este post será útil para todos os condutores, seja de que veículo for.

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Quando conduzir não beba.

Toda a gente tem este slogan na cabeça (embora muitos continuem sem o respeitar…).
Mas não basta. Hoje em dia, com rádio, vídeo, telemóveis, tablets e afins no automóvel precisamos de interiorizar isto:

Os bons condutores só conduzem.

Escrevo este texto a propósito desta campanha que encontrei há tempos na net:

crotches-kill-womanCrotches-Kill-Man

O COLO MATA

Sabemos o que estás a fazer aí em baixo. Enviar mesmo a mais curta SMS tira os teus olhos da estrada por 5 segundos – o suficiente para fazer uma vida inteira de estragos.

Mantém os teus olhos afastados do teu telemóvel.

Esta é muito suave, não mostra a brutalidade das consequências do que a maior parte das pessoas considera uma actividade inócua, como faz esta outra campanha, ou este testemunho real de uma rapariga de 20 anos que se envolveu num sinistro por se ter permitido distrair com o telemóvel, sofrendo sequelas graves.

É relativamente comum ver pessoas a usar o telemóvel enquanto conduzem um automóvel, seja em movimento, seja em situações tipo pára-arranca (congestionamentos, semáforos, etc). Antes era quase sempre a preparar ou a efectuar chamadas, mas hoje em dia é igualmente comum vê-las a usarem o telemóvel para outras funções, nomeadamente, enviar e receber SMS, navegar no Facebook, tirar fotos, etc.

Fazem-no porque têm a ilusão de que têm o controlo da situação e de que conseguem detectar mudanças no ambiente e reagir eficazmente às mesmas apesar de estarem a tentar realizar duas tarefas em simultâneo. Estão enganados e esta campanha da ONG Responsible Young Drivers (RYD) demonstra isto muito bem:

Foi dito a estes alunos que, para passarem no exame de condução, teriam que provar conseguir conduzir em segurança e enviar SMS ao mesmo tempo, uma “nova directiva governamental”. As câmaras ocultas mostram bem os resultados…

O efeito do uso do telemóvel na condução de um veículo

Ora, usar o telemóvel, seja para conversar ou para outra coisa qualquer, enquanto se conduz tem três problemas graves:

1. leva-nos a momentaneamente deixar de olhar para o que se passa à nossa frente e ao nosso redor (5 segundos ou mais)

A 80 Km/h, em 5 segundos a olhar para outro sítio que não para a frente, dá para atravessarmos (às cegas) um campo de futebol inteiro (111 m). A 50 Km/h percorremos 70 m sem ver, e 30 Km/h percorremos um campo de futsal (42 m). Ao longo desta distância, pode haver veículos a imobilizarem-se à nossa frente, peões ou animais a atravessarem a estrada, etc – e nós não estamos a olhar sequer.

Em 2011 (segundo esta fonte) 23 % das colisões automóveis nos EUA envolveram telemóveis. Enviar mensagens pelo telemóvel enquanto se conduz torna envolvermo-nos numa colisão um cenário 23 vezes mais provável. E é 6 vezes pior que conduzir bêbado.

2. aumenta a nossa carga cognitiva, o que aumenta a probabilidade de cometermos erros 

Carga cognitiva é a quantidade de informação que um humano tenta processar na memória de trabalho, a dado momento.

Limite cognitivo é o número máximo de pedaços de informação que uma pessoa consegue processar na memória de trabalho, a dado momento.

Pelos vistos, o limite cognitivo humano é muito baixo.

Para perceberem o efeito que a carga cognitiva tem na nossa capacidade de conduzir, sugiro que vejam pelo menos os minutos 20 a 26 deste (belíssimo) documentário:

Não é só o tempo de reacção que fica comprometido, mas também a capacidade de reacção, como mostra a experiência levada a cabo no documentário acima, por exemplo.

O que é que acontece quando aumentamos a nossa carga cognitiva, tentando desempenhar várias tarefas em simultâneo, e excedemos o nosso limite cognitivo? Temos um pior desempenho a todas as tarefas (mais erros, mais tempo), ou negligenciamos completamente algumas delas, não lhes conseguindo dedicar atenção suficiente.

Ver implica olhar e detectar, ou seja, não basta ter algo à nossa frente para o vermos, é preciso também processar mentalmente esse algo. Se não estivermos atentos o suficiente podemos sofrer de “inattentional blindness“, ou cegueira desatenciosa, numa tradução livre.

Cegueira desatenciosa é a falha em notar um objecto totalmente visível mas inesperado porque a atenção estava focada noutra tarefa, evento ou objecto.

Ou seja, é possível ver sem ver, se estivermos atentos a outra coisa qualquer:

3. obriga a tirar uma das mãos do guiador, ou a não o segurar da forma correcta

Isto faz-nos desviar a rota, frequentemente invadindo a via de trânsito contígua à esquerda, e condiciona a precisão da nossa reacção de tentar voltar para a direita.

Os condutores [americanos] jovens que enviam SMS enquanto conduzem passam 10 % do tempo fora da sua via de trânsito (segundo esta fonte). As consequências de tal negligência podem ser estas:

As nossas forças policiais de vez em quando fazem umas acções de fiscalização que incidem especificamente nesta infracção do uso de telemóvel a conduzir.

A GNR multou 22.419 condutores por usarem telemóvel durante a condução em 2014 […]

Contudo, não é suficiente, pois continua a ser uma prática disseminada, e perigosa.

Que diz o nosso Código da Estrada?

Artigo 11.º – Condução de veículos e animais

2 – Os condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer atos que sejam suscetíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança.

3 – O condutor de um veículo não pode pôr em perigo os utilizadores vulneráveis.

4 – Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de € 60 a € 300.

Ora, qualquer coisa que comprometa a nossa visão e/ou que comprometa a nossa capacidade de detectar e processar informação relevante ao conduzir, e reagir adequadamente em tempo útil, prejudica o exercício da condução com segurança. Exemplos:

  • enviar SMS’s
  • usar um telemóvel ou smartphone
  • comer e beber
  • conversar com passageiros
  • pentearmo-nos, maquilharmo-nos, etc
  • ler, incluindo mapas
  • usar um sistema da GPS
  • ver um vídeo
  • ajustar o rádio, leitor de CD ou MP3
  • fumar

Artigo 84.º – Proibição de utilização de certos aparelhos

1 – É proibida ao condutor, durante a marcha do veículo, a utilização ou o manuseamento de forma continuada de qualquer tipo de equipamento ou aparelho suscetível de prejudicar a condução, designadamente auscultadores sonoros e aparelhos radiotelefónicos.

2 – Excetuam-se do número anterior:

a) Os aparelhos dotados de um único auricular ou microfone com sistema de alta voz, cuja utilização não implique manuseamento continuado;

4 – Quem infringir o disposto no n.º 1 é sancionado com coima de € 120 a € 600.

Este artigo, que não pode contrariar o Art.º 11…, especifica alguns dos actos susceptíveis de prejudicar a condução, proibindo a utilização ou manuseamento prolongado de dispositivos que possam afectar negativamente a condução, apontando concretamente auscultadores e telemóveis. Contudo, abre logo uma excepção para estes se se usar apenas 1 auricular ou u sistema de alta-voz, ignorando totalmente o efeito muito mais importante da carga cognitiva, focando-se apenas na questão do controlo físico do carro, e da audição.

A lei está errada, peca por defeito. 

Artigo 145.º – Contraordenações graves

1 – No exercício da condução, consideram-se graves as seguintes contraordenações:

nn) A utilização, durante a marcha do veículo, de auscultadores sonoros e de aparelhos radiotelefónicos, salvo nas condições previstas no n.º 2 do artigo 84.º;

Artigo 147.º – Inibição de conduzir

1 – A sanção acessória aplicável aos condutores pela prática de contraordenações graves ou muito graves previstas no Código da Estrada e legislação complementar consiste na inibição de conduzir.

2 – A sanção de inibição de conduzir tem a duração mínima de um mês e máxima de um ano, ou mínima de dois meses e máxima de dois anos, consoante seja aplicável às contraordenações graves ou muito graves, respetivamente, e refere-se a todos os veículos a motor.

O que é que isto tem a ver comigo ao conduzir uma bicicleta?

Primeiro, a lei também se aplica aos condutores de velocípedes, a única diferença é na escala das coimas, que são reduzidas a metade:

Artigo 96.º – Remissão

As coimas previstas no presente Código são reduzidas para metade nos seus limites mínimo e máximo quando aplicáveis aos condutores de velocípedes, salvo quando se trate de coimas especificamente fixadas para estes condutores.

Esta redução reflecte o menor perigo associado à condução de uma bicicleta versus um veículo motorizado. As consequências dos nossos erros a conduzir uma bicicleta são substancialmente menores e menos graves que a conduzir um automóvel. Contudo, embora a severidade das consequências possa ser menor, a probabilidade de sinistro continua a existir (nomeadamente afectando outros “utilizadores vulneráveis”, como ciclistas e peões), daí que faça sentido a lei também se aplicar a estes condutores.

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Segundo, de bicicleta estamos mais vulneráveis às consequências da distracção durante a condução por parte de quem conduz veículos motorizados, porque 1) não temos uma carapaça de protecção contra impactos e 2) continuamos a ser, em muitas circunstâncias, elementos inesperados (porque as bicicletas são relativamente raras nas vias públicas).

Mas então, é demasiado perigoso andar de bicicleta!

Não, o risco existe, mas não num vácuo. É mais perigoso ter uma vida sedentária que andar de bicicleta, por exemplo.

Para um condutor competente, que conduza um veículo seguro, o risco de se envolver num sinistro é muito menor do que para um condutor que não tenha as ferramentas necessárias para praticar uma condução segura, ou que as tendo, não as use.

Investindo, por isso, em tornarmo-nos condutores competentes de veículos fiáveis e em boas condições de operação, a envolvermo-nos num sinistro, é mais provável que este seja causado por negligência grosseira de outro condutor: condução em estado intoxicado, sob a influência de substâncias psicotrópicas, cansado, sonolento, distraído. Ou seja, o nosso risco global é muito baixo, mas continua a existir, e a ameaça maior passa a ser esta. Para os outros condutores, as principais ameaças são coisas que um bom condutor evita automaticamente…

O que fazer para reduzir ainda mais esse risco?

1. Liderar pelo exemplo

Os exemplos, sejam bons ou maus, são muito poderosos. Há-que dar o melhor exemplo possível, há sempre muita gente a ver.

A conduzir, a nossa atenção tem que estar 100 % dedicada a essa tarefa.

2. Falar destas questões com toda a gente, sempre que se proporcionar

A cultura é mais importante do que a lei. Podemos ter leis espectaculares, mas se a cultura não as acompanha, serão ineficazes, pois as pessoas moldam a sua interpretação e a sua aplicação da lei às suas crenças.

Tem que haver pressão dos pares para não incorrer nestes comportamentos. Ser um mau condutor tem que ser mal visto na sociedade. Por isso temos que falar destas coisas, discuti-las, chamar os outros à atenção, educar, exigir a nossa segurança e a dos outros.

3. Exercer o nosso dever profissional e/ou cívico

As autoridades policiais não devem fechar os olhos a estes comportamentos, reforçando-os. Agirem pode salvar vidas.

Se somos passageiros num veículo devemos insistir com o condutor para uma condução segura para todos. É nossa responsabilidade acusar atitudes negligentes e pressionar para que sejam suspensas.

4. Reduzir a nossa exposição

Risco = probabilidade x severidade x exposição

Eu consigo reduzir o meu risco mexendo nestas 3 variáveis. Neste caso em concreto de condutores distraídos (ou comprometidos nas suas capacidades, ex.: álcool, sonolência, cansaço), há pouco que eu possa fazer para reduzir a severidade das consequências de uma colisão. Mas eu posso tentar reduzir a minha exposição. Por exemplo, evitando zonas e horários típicos de condutores intoxicados, ou horários onde é mais comum haver condutores em privação de sono e cansados, se eu tiver essa informação.

5. Reduzir a probabilidade de uma colisão

Para reduzir o risco a que me exponho, posso ainda adaptar a minha condução de forma a reduzir a probabilidade de me envolver numa colisão. Por exemplo, ajustando a minha posição na estrada ao aguardar num semáforo ou num STOP, deixando sempre margem para erros da parte dos outros condutores (ex.: estarem a olhar para mim não quer dizer que me tenham detectado – “cegueira desatenciosa”; o outro condutor ter um sinal de STOP não garante que ele vá ceder-me a passagem, pode vir distraído; se o comportamento do outro condutor é errático ou revela sinais de estar a tentar compensar por algo, dobrar os cuidados perto dele…).

 

Referências: